quinta-feira, 11 de março de 2010

Marinho Chagas: o ‘hippie’ potiguar

Por Rui Moura

Fonte: Mundo Botafogo/Estrela Solitária



Francisco das Chagas Marinho, o ‘Marinho Chagas’, nasceu em
Natal em 8 de fevereiro de 1952 e foi um dos ídolos do Botafogo na década de 1970, disputando a Copa do Mundo de 1974.

Marinho Chagas foi criado na periferia de Natal, era louro, comprido, franzino e… vaidoso. O garoto era um exímio craque de futebol de salão e batia pelada como centroavante no campo de Areado, onde cresceu. O futebolista surgiu aos 17 anos quando Zumba, sargento da Marinha, o levou para os juvenis do Riachuelo Atlético Clube, que era um clube de marinheiros do campeonato estadual do Rio Grande do Norte.

Substituindo um lateral esquerdo que se recusara a jogar contra os varzeanos palmeirenses, Marinho Chagas improvisou no lugar e terminou o jogo como o melhor jogador em campo. Nesse ano de 1969, Marinho revelou-se um lateral diferente dos outros, insubordinando-se contra a tática e avançando como apoiador ou atacante, ignorando o ponta-direita e evidenciando uma notável habilidade e uma rara técnica futebolística.

Apesar das transgressões, o ABC Futebol Clube interessou-se por ele e em 1970 rumou para o clube, tornando-se campeão estadual desse ano. Depois transferiu-se para o Náutico e, finalmente, para o Botafogo. Porém, a sua excentricidade transbordava os relvados, diferenciando-se pelos longos cabelos loiros, pulseiras, calças e camisas de cores extravagantes, carro chamativo, vida de bares e de cabarés ao som dos Beatles e Rolling Stones numa cidade de apenas 200 mil habitantes.

Mas Marinho era ‘perdoado’ devido ao seu excelente futebol e o Clube Náutico Capibaribe acabou por ‘roubá-lo’ para brilhar no campeonato pernambucano de 1971. Ficando até ao ano seguinte, Marinho Chagas reeditou o magnífico futebol e a vida de boémia. Ganhando expressão na imprensa desportiva brasileira, Marinho Chagas acabou por interessar ao Botafogo de Futebol e Regatas que o comprou ao Timbu recifense em 1972.

Extravagante, Marinho Chagas chegou ao Rio de Janeiro com aparência de ‘hippie’. Longos cabelos dourados, pulseiras, calças floridas, uma camiseta alaranjada com a estampa de uma grande borboleta nas costas e um Volkswagen repleto de adesivos, deixaram os cariocas boquiabertos.

Porém, na sua estreia contra o Santos de Pelé, o garoto de 20 anos ganhou o céu: bateu uma falta com uma precisão notável e garantiu o empate de 1x1. Em menos de nada, o que mais impressionou os cariocas não foi o seu aspecto, o que impressionou mesmo foi ter sido um verdadeiro hippie dos gramados. Marinho, mesmo sendo destro, fazia arrancadas fabulosas pela esquerda; era dono de um chute forte e preciso, assinalando frequentemente gols na cobrança de faltas. Apesar de Nilton Santos ser o precursor do lateral que avançava ao ataque, nos anos setenta essa movimentação ainda não estava consolidada.


Apesar de ser folclorizado por frases pedantes e extravagantes e condenado pela sua vida de boémia, o craque impôs-se rapidamente como legítimo sucessor de Nilton Santos. Marinho Chagas era um lateral que atacava, causando controvérsia, já que se defendia que um lateral era para marcar e não para apoiar. Devido a essa sua característica, o craque foi considerado um ‘revolucionário’, cobrindo toda a extensão do campo e extinguindo os pontas.

De tal modo fez sucesso que logo nesse ano a revista Placar outorga-lhe o troféu Bola de Prata, que repetiu no ano seguinte. E em 25 de Junho de 1973 o craque enverga pela primeira vez a camisa canarinha num jogo amistoso contra a Suécia.

Na seleção tornou-se titular nos preparativos para a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, e foi o melhor jogador da sua posição no Mundial, apesar de execrado pelos colegas porque perdeu a bola no ataque que deu à Polónia o 3º lugar e relegou o Brasil para segundo plano. Restou-lhe como consolo ter sido o único brasileiro escalado para a seleção da Copa.

Porém, a súbita queda do Botafogo atrapalhou a sua carreira e somente em 1976 regressou à seleção, tendo conquistado o único título pela seleção canarinha: foi campeão do Torneio Bicentenário dos Estados Unidos. Em 1977 Marinho Chagas regressou à seleção para encerrar a sua carreira canarinha, contabilizando 37 jogos com 25 vitórias, o que era um bom saldo.

Após 183 jogos e 39 gols pelo Botafogo, Marinho foi vendido para o Fluminense, mas não se deu bem, chocando-se com diversos colegas. Então, aceitou uma proposta do Cosmos, rumando em 1979 até Nova Iorque e regressando ao Brasil em 1981, assinando pelo São Paulo.

Quando menos se esperava, Marinho Chagas ressurgiu das cinzas e foi campeão paulista em 1981, tendo sido homenageado com mais uma Bola de Prata, da Placar. Embora sem o pique de outrora, o craque manteve.se tecnicamente aprimorado e experiente, ficando até 1984, quando comprou o próprio passe para vender a um grande clube. Porém, acabou no Bangu carioca de Castor de Andrade e sem brilho. Sucederam-se a partir de 1985 o Fortaleza cearense, América de Natal, Harlekin Augsburg (Alemanha) e o inexpressivo Heit dos Estados Unidos, no qual pendurou as chuteiras em 1987 com 35 anos de idade.


Nota: O artigo original, publicado no blog Mundo Botafogo/Estrela Solitária, reúne uma vasta coleção de informações sobre a carreira de Marinho Chagas, seus títulos, premiações, jogos inesquecíveis, etc... Segue o link:

http://mundobotafogo.blogspot.com/2010/03/marinho-chagas-o-hippie-potiguar.html


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Ainda bem que ele era do Botafogo

Por Edson. T

Fonte: Infogol

Artigo original: http://www.infogol.com.br/?p=474



Jogo no final e é bola na área da Tchecoslováquia.
Depois de uma confusão e uma cabeçada de Jairizinho, o sujeito com a cabeleira loira manda para o fundo das redes. Brasil 1 a 0. É gol de Marinho Chagas.

Começava a história de um improvável botafoguense, nascido em Maringá(PR), onde, naquele tempo, nove entre dez garotos torciam para times de São Paulo. Meu pai, palmeirense. Meus tios, corinthianos. Mas eu, aos sete anos, ainda tentando compreender que história era aquela de vinte e dois homens correndo atrás de uma bola, comecei a buscar informações sobre o lateral esquerdo do Botafogo e da Seleção Brasileira, preparando-se para a Copa da Alemanha. Imaginem o que era isso sem internet, nem televisão pay-per-view e tendo acesso dificultado a jornais e revistas que cobriam o futebol.

Marinho Chagas ainda faria mais um gol em um amistoso contra o Haiti. E voltaria daquele Mundial consagrado como o melhor da sua posição em todo o mundo. Estava inoculado em mim o botafoguismo que sobreviveria a custa de jogos mal-ouvidos no radinho de pilha, raríssimas partidas transmitidas pela TV e matérias esporádicas na Placar e na Folha de Londrina. Um torcedor do Botafogo que só conseguiu gritar “é campeão!” depois de quinze anos de torcida distante, quando Maurício, aos 12, do dia 21, depois de 21, marcou o gol mais histórico da recente história alvinegra.
E foi com uma lembrança ainda muito viva de Marinho Chagas - “a Bruxa”, “a bomba nordestina” - que assisti à reprise de Brasil vs. Argentina, pela Copa da Alemanha. E colorida! Um verdadeiro presente da TV Cultura, dentro do programa “Grandes Momentos do Esporte”, que vai ao ar nas tardes de domingo. Do jogo, que assisti na época em uma TV p&b, só tinha a lembrança dos gols de Rivelino e Jairzinho - que repetem até hoje -, e o placar de 2 a 1 a nosso favor. Mas, claro, não me recordava da atuação do lateral esquerdo.

Foi uma grata satisfação ver em ação um jogador que admirava quando criança. Marinho jogava muito e, principalmente, muito a frente de seu tempo. Zé Maria, o lateral direito, quase não ultrapassava o meio de campo. Já Marinho avançava sem medo, tramando jogadas com Dirceu - também do Botafogo - e Rivelino próximo à area adversária, às vezes chegando à linha de fundo. Sem contar que se apresentava para cobrar todas as faltas de ataque e por vezes partia sozinho para cima da zaga portenha, mesmo com dois ou três pela frente. Um ala, no início da década de 70.

Dirceu para Marinho, com Jair fechando pelo meio.
Era o Botafogo infernizando a defesa dos hermanos na Copa de 74.

E mais: Marinho era destro, um detalhe que havia se apagado da minha memória. Afinal, notabilizou-se pelo setor esquerdo do campo. Mas sempre conduzia a bola com o pé direito, o que certamente confundia a marcação, pois em várias ocasiões afunilava para o centro e apresenta-se como um verdadeiro meia esquerda. Hoje é de se perguntar por que cargas d’água, afinal, Cláudio Coutinho não o levou para a Copa da Argentina. Polivalente, Marinho Chagas já compreendia o overlapping e o ponto futuro quatro anos antes!

Em 1974, o potiguar Francisco das Chagas Marinho certamente não imaginava que estava a fazer botafoguenses mirins pelo interior do Paraná. De lá para cá, sempre soube que tinha tido a sorte de Marinho defender as cores do Glorioso naquela época, pois isso me transformou em alvinegro. Agora, trinta e cinco anos depois, foi bom confirmar que não escolhi errado meu ídolo de infância.

O cara jogava uma bola redonda!